10 de jul. de 2010

O HOMEM QUE FALOU COM DEUS

Era noite sem lua. Deitado sobre a relva, mãos sob a cabeça, o Homem contemplou o firmamento cintilante de estrelas. Começou a pensar na hipótese de viver somente o lado bom da vida. Será que seria bom? - pensou - Será que seria? Deu asas à imaginação e terminou adormecendo. Sonhou que estava na presença de Deus. Sonho meio atrevido, mas não dependeu de sua vontade. Ele, o Homem, resmungão por natureza, reclamava de tudo e de todos. Até mesmo do Criador. Viu-se de repente diante daquele que tudo pode. Aproveitou para fazer sua reclamaçãozinha. Alegou que já havia sofrido bastante e considerava coberta sua cota de sacrifícios. Pedia que dali por diante sua existência fosse constituída somente do lado bom: os prazeres. No sonho, Deus o encarou e disse em tom de brincadeira (Deus, às vezes, brinca com seu filho, o Homem): Está bem. Vá e viva como pede. E esboçou um sorriso complacente. Pela primeira vez na Terra, o Homem teve a vida que pediu a Deus. Livrou-se de tudo o que não gostava. Seus sentidos foram largamente contemplados: o olfato, a vista, o paladar, o tato e a audição. Os instintos se exacerbaram em total plenitude. A imaginação deu cambalhotas no espaço e viajou pelo infinito. O Homem se viu mergulhado num oceano de prazer e de gozo inimagináveis. Saciou-se até a medula! Coisa estranha: dentro de algum tempo ele começou a se sentir saturado de tanta felicidade e a não mais se excitar com qualquer tipo de prazer. Um jardim florido, que tanto lhe agradava antes, perdeu a graça. Um arco-íris ou até mesmo a deslumbrante aurora boreal, não mais o sensibilizavam. O gorjeio dum passarinho ou os doces acordes da melodia celestial que lhe chegavam aos ouvidos, nada significavam para ele. O Homem estava enfastiado dos gozos da vida. Angustiado, embrutecido, entediado e aflito: Ainda sonhando, voltou à presença de Deus e implorou de joelhos, compungido, contrito, que lhe retirasse aquele privilégio. Queria voltar a viver em plena harmonia dos contrastes: o bem e o mal, o feio e o belo, o claro e o escuro, o prazer e a dor, o riso e o pranto, o fel e o mel, a vida e a morte. Deus, então, num gesto a mais de brandura, perdoou-lhe as extravagâncias. O Homem despertou feliz, no mesmo lugar sobre a relva. Deslumbrou-se com as estrelas que coruscavam lá no céu. E, num suspiro, murmurou sorrindo: Obrigado, meu Deus Sinésio P. Cavalcant

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