2 de jul. de 2010

Paixão

Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito. Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar.
A querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente. O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio.
A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido ou, simplesmente, o emprego sem graça e o patrão de mau humor. E a gente explode e quer matar e morrer, quando cai aquela última gota - pode ser uma trivialissima gota - e nos damos conta: nada mais é como era no começo.
Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não sei o que fazer. Como a gente não desiste fácil, porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os filhos, os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um jeito de recomeçar, reconstruir.
Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, não o meio.
Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas  mais belas que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi de novo como minha mulher".
Mas, primeiro, teríamos de nos escolher a nós mesmos, diariamente. Ao menos de vez em quando, sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida? Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para melhorar?
Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser melhoradas.
Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer uma viagem, de mudar de profissão. Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria, realização e, sobretudo, abertura com o outro.
Velhos casais solitários ou jovens casais solitários dentro de casa são terrivelmente tristes e terrivelmente comuns. É difícil? É difícil. É duro? É duro. Cada dia, levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Helio Pellegrino. Viver é um heroísmo, viver bem um amor, mais ainda.
O casal perfeito, talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho de que, apesar dos pesares, a gente, a cada dia, se escolheria novamente.
Dráuzio Varella

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